21.00 x 14.00 cm, 320 pp. ISBN 9788535912906 99,90
Tenda dos Milagres Romance, 1969 | Posfácio de João José Reis
É 1968, e a chegada a Salvador do prêmio Nobel James Levenson provoca alvoroço na imprensa local. O professor americano vem em busca de quatro livros que documentam a formação do povo baiano, de autoria de um certo Pedro Archanjo. Voltamos então ao começo do século XX, época em que se passaram as proezas do pobre, pardo, boêmio e mulherengo Archanjo. Na juventude, Archanjo conheceu Lídio Corró, um “riscador de milagres”, que virou parceiro na luta contra o preconceito racial e religioso. A Tenda dos Milagres, no Pelourinho, lugar onde os amigos trabalhavam, era também palco de candomblé e capoeira de Angola. E os folhetos de literatura popular e os livros de Archanjo impressos na tipografia da Tenda transformaram-na em uma espécie de universidade livre da cultura popular. Bedel da Faculdade de Medicina da Bahia, Archanjo inspirou-se no convívio com os catedráticos da instituição e passou a estudar a história do povo baiano. Mas suas teorias, que valorizavam a miscigenação, despertam o ódio do professor Nilo Argolo, para quem os mestiços eram “degenerados”. Em Tenda dos Milagres, Jorge Amado opõe as idéias de Archanjo às de Argolo para enaltecer a mestiçagem, a tradição popular e a cultura negra. O romance critica a postura colonizada de aceitação de teorias racistas originárias da Europa no início do século XX e ironiza a valorização tardia da obra do intelectual negro, reconhecida à revelia da elite local graças à iniciativa de um estrangeiro. A narrativa entrelaça com extrema habilidade os registros erudito e popular. As críticas à repressão contra o candomblé e outras manifestações da cultura negra ganham relevo em dois momentos históricos: o começo do século XX, quando da atuação de Pedro Archanjo, e a época em que o livro foi publicado, em plena ditadura militar.
REBELIÃO ESCRAVA NO BRASIL João José Reis
A história da revolta dos negros muçulmanos que, na Bahia do século XIX, pretendiam abolir a escravidão africana. A imbricação entre religião e identidade étnica é o argumento central do livro, um clássico sobre os estudos da história dos negros no Brasil, publicado originalmente em 1986. Reedição revista e ampliada, com cerca de oitenta imagens de época.
Publicado em outubro de 1969, Tenda dos Milagres foi escrito por Jorge Amado entre março e julho do mesmo ano. Livro predileto do autor, retoma temas que já se anunciavam em outras obras, especialmente em Jubiabá, romance protagonizado por Antônio Balduíno, líder negro de origem pobre, assim como Pedro Archanjo, personagem principal de Tenda dos Milagres. A trajetória do intelectual negro Pedro Archanjo personifica a formação étnica e cultural brasileira e se confunde com a luta do povo baiano para preservar suas tradições populares. Archanjo defende a miscigenação, combate o racismo e valoriza o caráter mestiço de sua cultura. Essa mescla aparece também na linguagem do romance, que incorpora termos e ritmos afro-brasileiros. Jorge Amado conta em seu livro de memórias Navegação de cabotagem que construiu o personagem Pedro Archanjo a partir de muitas personalidades, como o escritor Manuel Quirino, o obá Miguel Aré, o compositor Dorival Caymmi e Jorge Amado ele próprio. “De todos eles Archanjo incorpora um traço, uma singularidade, a preferência, o tom de voz, o gosto da comida, o trato das mulheres, a malícia”, diz o escritor. Para a antropóloga Ilana Seltzer Goldstein, Tenda dos Milagres pode ser considerado um livro paradigmático de Jorge Amado, por concentrar alguns dos temas mais importantes da literatura do autor, como a oposição entre mestiçagem e racismo, cultura erudita e popular, atuação política e crônica de costumes. O livro foi o primeiro romance de Jorge Amado traduzido pela francesa Alice Raillard, que traduziria outros dez volumes do autor e escreveria Conversando com Jorge Amado, baseado em uma série de entrevistas que fez com o escritor. O texto foi traduzido também para mais de dez línguas. Nelson Pereira dos Santos iniciou o trabalho de adaptação de Tenda dos Milagres para o cinema em 1974, a partir de uma edição clandestina do romance, vendida em bancas de jornal. O equívoco foi descoberto graças ao acompanhamento que Jorge Amado fez do roteiro. O filme estreou em 1977. Em 1985, Tenda dos Milagres virou minissérie da Rede Globo, em adaptação de Aguinaldo Silva e Regina Braga.